sexta-feira, 11 de novembro de 2011

As palavras são o nosso contra-fogo




Em tempos obscuros, a palavra é o nosso contra-fogo. O grande Talib Kweli junto do Occupy Wall Street. A lembrar outros grandes (e sim, percebo a ironia de enfiar isto num blog).

O André sabe mais disto que eu. Mas também posso dizê-lo, como melómano: se queremos que tempos mais apolíneos venham aí pela montanha abaixo, só lá chegamos com música.

Agora, com licença. Vou ali ouvir mais umas gentes.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Será que aguentamos este Inverno?

Diz-me a minha costela de historiador que as grandes revoluções se fizeram na Primavera. E bastará um olhar superficial pela cronologia da história Europeia para nos apercebermos de tal. A Revolução Francesa, apesar de ter tido o seu apogeu na tomada da Bastilha a 14 de Julho, iniciou-se com a convocação dos Estados Gerais no dia 5 de Maio. A primeira fase da Revolução Russa, aquela que veio a desencadear todo o processo subsequente, foi posta em marcha no mês de Março com o derrube do Czar Nicolau II. A Revolução Portuguesa, como todos bem (ainda) sabemos, deu-se na alvorada do dia 25 do mês de Abril. De resto, o próprio Maio de ’68, como o nome indica, ocorreu em... Maio; e a vaga actual de revoluções nos países do Norte de África tem o sugestivo nome de... Primavera Árabe.

Onde quero chegar com isto? Quero-vos dizer, quero-vos pedir, quero-vos incentivar a aguentar este inverno, porque a primavera não tarda aí! Os tempos não estão fáceis e o nosso Cerberus contemporâneo (para quem não sabe, trata-se do monstro tricéfalo da mitologia gregra), personificado no arranjinho político governo-troika-BCE, parece já nem estar interessado em guardar a porta do Hades. É que sabem? Entrar ou sair do inferno não tem valor comercial propriamente dito. A semântica da nossa classe política resume-se a austeridade, cortes, reduções e impostos. Redundância atrás de redundância. Parece que os nossos políticos se dedicaram de vez à profissão de tesoureiros do Estado, sem qualquer visão progressista nem sonhos utópicos. O problema é que governar um país não é o mesmo que gerir uma empresa ou secretariar um partido. Não se secretariam ilusões, nem esperanças, nem preocupações dos povos. Pelo contrário, tal fustiga-se, imagina-se, sonha-se e persegue-se.

As vozes da revolução começam-se, pois, a levantar. Boaventura Sousa Santos veio a terreiro, por mais do que uma ocasião nos últimos 15 dias, defender o levantamento imediato de Assembleias Populares Constituintes, um pouco na linha do caso Islandês. Ontem, foi a vez de Otelo Saraiva de Carvalho, personagem pouco consensual (para não dizer mais) da Revolução dos Cravos, defender o mesmo: “Bastam 800 homens!”, disse o militar (http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/otelo-diz-que-um-golpe-militar-agora-seria-mais-facil-do-que-em-74-e-melhor-do-que-manifestacoes-1520201). A direita anda nervosa e a voz desse nervosismo vê-se, por exemplo, no medo que têm do povo na rua. Ou não tivessem alertado inúmeras vezes para o perigo de distúrbios sociais resultantes das recentes manifestações Lisboetas.

A pergunta que vos coloco é pois: será que aguentamos este inverno? Façamos (mais) um esforço, porque a Primavera está a chegar.

Um mundo em que cabem muitos mundos

Começo por dizer que não sei muito bem o que são "humanidades". Sei que continuamos a ler as páginas de Aristóteles, Montaigne e Políbio, para falar apenas de gente europeia. Isso chega-me para apreciar a importância da literatura, da história e da filosofia num mundo cada vez mais penumbrento. Muito depois de nos termos esquecido do que é um "gestor de activos" ou uma "consultora estratégica", ainda haverá fãs de Marc Bloch e Vitorino Magalhães Godinho a imaginar mundos antigos e não tão antigos. Também não sei o que são "ciências sociais", embora saiba que não são irmãs das ciências naturais e que, guiadas pela arrogância dos seus ilustres representantes contemporâneos, se auto-flagelarão até à irrelevância.

Sei o que são actos de resistência. Também sei que, nestes dias, todas as palavras que escrevemos devem ser actos de resistência. Devem representar ameaças ao pensamento único. É preciso perder o medo de ser do contra e dizer coisas inconvenientes. Já somos muitas e muitos; nós somos mais uma mão no combate.

Estamos aqui e não descansaremos enquanto a imaginação sociológica não for um direito e um dever. A legitimidade dos sistemas de poder injustos só sobrevive enquanto goza do conformismo lógico e se mantém implícita; trazê-los à luz do dia e zurzi-los com armas de desconstrução maciça também é um acto de resistência, ainda que esteja longe de ser o mais nobre ou valioso. É uma parte da luta. Não estamos sós: somos anões apoiados nos ombros de gigantes; somos mais alguns ombros que sustentam quem não se conforma com as desigualdades, o elitismo e a injustiça.

"Um mundo em que caibam muitos mundos, todos os mundos", disseram-nos os Zapatistas.

Contra-Fogos: as humanidades como arma política

“To conclude, I will say that one of the problems is to be reflexive - a grand word, but it is not used gratuitously. Our objective is not only to invent responses, but to invent a way of inventing responses, to invent a new form of organization of the work of contestation and of organization of contestation, of the task of activism. Our dream, as social scientists, might be for part of our research to be useful to the social movement, instead of being lost, as is often the case nowadays, because it is intercepted and distorted by journalists or by hostile interpreters, etc.” (Bourdieu, Acts of Resistance, 1998, pp.58)

Pierre Bourdieu acreditava piamente na inserção aguerrida da figura do cientista social na esfera do activismo político. Longe de se pautar por uma posição neutral e “objectiva”, que muitos autores arrogam para o papel do académico, Bourdieu sempre incitou à utilização dos conceitos, das teorias e dos métodos das humanidades como armas políticas. Como o próprio defendia, “sociology is like a martial art, a means of self-defense”. A sociologia – sua disciplina por excelência – devia ser usada contra os ataques à liberdade, à justiça, à solidariedade social. Muitas vezes ouvimos dizer que as ciências sociais e as humanidades “não servem para nada” e que vivem num hermestismo que se contém em si mesmo, gerando apoplexias internas que impossibilitam o seu escoamento para a “normal” esfera pública. É verdade. Mas o contrário também o pode ser e é neste contexto e com este propósito que inauguramos o blog Contra-Fogos.

Somos um grupo de investigadores da área das humanidades que, em uma palavra, está FARTO. A palavra farto aponta aqui para várias direcções. Em primeiro lugar, estamos fartos que as humanidades sejam vistas como meros devaneios intelectuais para uma pequena elite burguesa que não tem mais nada para fazer a não ser tertúlias diletantes sobre aconcimentos longínquos – longínquo tanto num plano temporal como também espacial e até social. Queremos provar o contrário. Em segundo lugar, estamos fartos do rumo social, político e económico que o nosso país, Portugal, e o nosso continente, a Europa, decidiram tomar. E, assim sendo, tentaremos fazer uso das armas que as humanidades nos têm vindo a oferecer para pôr a nu certos malabarismos dos nossos governantes (tanto nacionais como para-nacionais) e para, quando oportuno, sugerir outras vias, outros caminhos, outras possibilidades. Porque, como disse um dia Gilles Deleuze, “a concept is a brick. It can be used to build a courthouse of reason. Or it can be thrown through the window.” Resta saber na cabeça de quem é que caiu. Façamos pontaria?